Wanda #11: histórias de lágrimas, guerra, chão, rostos e desejo
Viver é estar em movimento
Olá!
Nesta edição, falamos de dois artistas que, à primeira vista, podem parecer habitar universos diferentes no mundo da arte, mas que têm algo em comum: o impulso de retratar seu lugar no mundo – mesmo que ele seja em movimento.
O rapper BK conquistou o público e a crítica com seu novo álbum, que fala sobre identidade, realização pessoal, cultura afro-brasileira e movimento como forma de resistência. Já o artista mineiro Lucas Matoso, pinta sua trajetória nômade e a história das coisas que o atravessam subjetivamente pelo caminho.
Além disso, a artista Iana Asmo aparece com uma arte inédita no Cartum Wanda!
Esperamos que gostem!
COLABORE COM A WANDA!
O novo álbum do BK é imperdível, entenda o porquê
Por Laís Fidelis*
Diamantes, Lágrimas e Rostos para Esquecer, o quinto álbum do rapper BK, chegou às plataformas no dia 28 de janeiro de 2025 e foi recebido de braços abertos pelo público e pela crítica. As faixas repercutiram positivamente nas redes sociais e emplacaram entre as mais ouvidas do Brasil, com toda razão.
Após três anos de hiato desde o álbum Icarus, BK deu sequência ao seu trabalho autoral com novas nuances de profundidade. Com um olhar mais atento para a música brasileira, o álbum DLRE resgatou referências importantes e estreitou laços com o ouvinte ao trazer repertório para uma juventude carente de sua própria cultura.
BK distanciou-se de modismos do rap e levantou suas bandeiras. Entre as 16 faixas, seis contam com participações de destaque do Samba e da Música Popular Brasileira, como Djavan e Milton Nascimento. Ao buscar por fontes nas décadas de 70, 80 e 90, o rapper trouxe à superfície contextos da black music brasileira. As colaborações do grupo Fat Family, Trio Mocotó e Evinha são uma afirmação de orgulho.
Para além, os samples são também uma forma de validar o sucesso do artista, visto que é preciso autorização para o uso de uma parte de uma gravação sonora. Com a participação de nomes de peso em seu novo álbum, BK se concretiza como um dos gigantes do rap nacional.
BK não, Abebe Bikila
Como se a busca por riqueza cultural não fosse o bastante, BK foi além e apresentou o embasamento histórico necessário para reafirmar as raízes afro-brasileiras. Ao liberar um filme oficial de DLRE, o artista revelou ao público sua viagem para Etiópia com o objetivo de se conectar com as origens de Abebe Bikila.
O maratonista etíope foi a inspiração para a mãe do rapper na escolha de seu nome. Seu xará, o primeiro homem a vencer duas maratonas olímpicas, se consagrou como um dos maiores maratonistas de todos os tempos e, apesar de BK não ser um atleta profissional, suas músicas carregam o simbolismo da vitória.
Símbolos africanos
O minidocumentário, com duração de 10 minutos e disponível no Youtube, remonta as histórias africanas que o inspiraram, servindo como um videoclipe para o álbum. A narrativa reforça a necessidade de se manter em movimento e o correr como uma forma de sobrevivência, uma vez que o perigo está sempre à espreita.
As imagens selecionadas como capas para cada faixa evidenciam as esculturas como amuletos de proteção. As máscaras africanas são utilizadas em rituais e têm grande importância religiosa, mística e espiritual para diversos povos.

No Lovesong
De uma visão mais íntima, o vídeo reforça a mensagem das faixas: a dor de deixar para trás aquilo que um dia foi amado. Com letras menos românticas, observamos BK dar voz à sua jornada artística inevitavelmente solitária.
A procura pela realização pessoal tem um preço e o artista se mostra familiarizado com suas próprias perdas (“Sou minha empresa, o sócio majoritário / Todo campeão é solitário”).
“Esse álbum não é linear, você não precisa ouvir as músicas em sequência. Eu faço um retrato de um momento de desapego, de várias dinâmicas da vida: amor, família, amigos. Ele caminha por esse lugar de enfrentar a dor de seguir em frente”, explica o rapper em entrevista para Billboard Brasil.
Imperdível
Em um cenário musical constantemente em evolução, BK se destaca ao afirmar seu compromisso com a autenticidade. Abebe Bikila não apenas reforça seu lugar no rap nacional, mas também amplia seu discurso artístico, mergulhando em questões profundas e universais como perda, superação e identidade cultural.
Mais do que um álbum: é um testemunho da força e da luta de um artista em constante movimento, buscando sua realização em meio aos desafios da vida. Por isso, Diamantes, Lágrimas e Rostos para Esquecer é imperdível.
*Laís é é jornalista formada pela Universidade Federal de Viçosa, designer gráfico e leitora ávida nas horas vagas. Interessada por arte, cultura e esportes, a paulistana encontrou em Minas Gerais um novo lar, onde sua paixão por comunicar e criar se intensificou.
Uma outra história do chão – conheça o artista mineiro Lucas Matoso
Talento das artes visuais, o artista explora a poética da subjetividade, dos espaços e dos percursos
Por Clara Campos Bicho
No ano passado, deparei-me com as pinturas do artista belo-horizontino Lucas Matoso pelo Instagram. O que poderia ter sido mais um story de mais um conhecido que reposta mais alguma coisa na rede acabou sendo uma grande descoberta da arte visual contemporânea para mim. Primeiro, foi o brilho das cores que me gritou, depois, foram as formas, que pareciam lúdicas de alguma maneira.
Vasculhei o feed da rede social do artista, procurando saber mais sobre seu trabalho e percebi certa consistência em suas obras: desde a paleta de cores vivas e as técnicas utilizadas nos quadros até as possíveis temáticas de seu trabalho. As palavras juntas aos desenhos me chamaram atenção também. “Vaso de porcelana chinesa”, “mentira”, “cadeira”, “perigo nos espreita enquanto dormimos”… O que será que tudo isso pode significar?

Várias outras histórias do mundo
Lucas Matoso é um artista visual natural de Belo Horizonte, nascido em 1997. É graduado em artes visuais pela Escola de Belas Artes da UFMG e já participou de diversas exposições coletivas. Atualmente, Lucas é artista residente da FAAP, na cidade de São Paulo. A série mais recente do pintor se chama “Uma outra história do chão” e conta com oito pinturas óleo sobre telas de 160 cm x 160 cm.
Cada uma das oito pinturas integrantes da nova série tem um título, são eles: História da paz; História da guerra; História do desejo; História do tempo; História do céu; História da vida; História da cidade e História da dor. Os títulos da obra de Lucas são sempre instigantes e convidam o público a se conectar com os quadros, atribuindo sentidos subjetivos a eles, afinal, coisas como a “vida”, a “dor” e o “desejo” são completamente individuais.
Além da formação acadêmica como artista pela UFMG, aspectos da própria história de vida de Lucas interferiram diretamente na criação de “Uma outra história do chão”. O artista destacou o aspecto nômade de sua trajetória pessoal – ele já morou em muitas casas diferentes ao longo da vida, com pessoas diferentes e em locais diferentes. “Isso mexeu muito na minha prática de trabalho também. Quando eu comecei a construí-lo, esse caráter movente da minha personalidade, de estar percorrendo muitos lugares, reconhecendo muitas coisas, sempre caminhando muito. Eu ainda sou uma pessoa que caminha muito”, contou Lucas em entrevista à Wanda.
Segundo Lucas, seu trabalho se concentra em dois eixos: um de percorrer espaços e outro do pensamento gráfico. “Essas duas coisas são os dois componentes fundamentais de qualquer série.” E a mais recente do artista, “Uma outra história do chão”, lida com esses atravessamentos simbólicos que são encontrados no percurso pela cidade. De alguma forma, as várias histórias do mundo parecem ser todas encontradas por aí, nos objetos, nas ruas, nas pessoas… Não é preciso ir muito longe de si.
“Quando nomeia uma coisa, você cria um campo de limitação dos significados que ela pode assumir. Mas você também permite que por meio desse campo de limitação, o significado se amplifique, no sentido de que as pessoas podem se assentar na relação que elas vão ter com aquilo ali.”
O “ser artista”
No quadro Envolvimentos da edição extra da Wanda, temos perguntado aos artistas convidados o que é o “ser artista” para cada um. A variedade de respostas é interessante. Com Lucas Matoso não foi diferente: segundo o pintor, existem alguns elementos que definem o artista, como a percepção estranha do mundo, que é uma forma atenta de lidar com o entorno e perceber coisas que em geral passam despercebidas pela maioria das pessoas. E, a partir dessa percepção mais sensível do mundo, o artista estabelece um sistema próprio para lidar com o que o cerca.
“Esse entorno, ele pode ter a ver com uma caracterização mais subjetiva ou mais objetiva, tem artistas que olham muito para o mundo, tem artistas que olham muito para si mesmos. E, para mim, tem a ver com construir uma linguagem, construir uma forma de discursar, ou de intervir, ou de atritar, ou de escrever ou de inventar esse todo, que ou nos circunda ou nos habita.”
Wanda Indica com Lucas Matoso
Perguntei a Lucas algumas indicações de artistas que mais pessoas deveriam conhecer: Helena Almeida e Annette Messager!
Saiba mais sobre o trabalho de Lucas Matoso!
CARTUM WANDA!

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