Wanda #14: vinil e botox preventivo é tudo que uma garota de 25 anos precisa!
A dor e a delícia de estar online
Olá!
Estar online é ser submetido a um número quase infinito de coisas – humor, curiosidades, discussões, trends e muita, MUITA besteira.
Nesta edição, a partir de uma sugestão do Tik Tok de “botox preventivo” aos 20 e alguma coisa anos de idade, Clara Campos reflete sobre a reprodução das estruturas sociais da vida real para o aparelho celular.
Já Thaissa Santos, redatora convidada desta edição, tenta desvendar as razões por trás da grande volta do analógico, com os vinis, as cybershots e outras tendências diretamente do fundo do baú…
Esperamos que gostem!
O TikTok não é neutro: Será mesmo que precisamos de “botox preventivo” aos 25 anos de idade?
(E outras porcarias que o patriarcado quer nos vender, agora via internet)
Por Clara Campos
No meio da faculdade de jornalismo na UFMG, nós tínhamos uma matéria obrigatória sobre “plataformas”. Da primeira até a última aula, o professor falava sobre como as redes sociais, sites e aplicativos eram territórios completamente parciais, ainda que se vendessem ao grande público como meros meios de comunicação isentos. A noção de que as plataformas servem apenas de intermédio entre a vastidão da internet e o usuário é mais comum do que deveria ser - e um tanto nociva.
Disfarçadas por interfaces de design prático e divertido, as grandes empresas de tecnologia, do Vale do Silício à Rússia à China, atualmente são donas de uma das maiores preciosidades do mundo humano: o tempo que, neste caso, nós passamos parte dele, todos os dias, mexendo nos feeds das redes. E, nessas horas, a famosa frase “se for de graça, o produto é você” é extremamente certeira.
A propaganda é o novo normal
Na televisão, as propagandas comerciais costumavam ser muito bem delimitadas, com o famoso intervalo da propaganda. Mas, com o passar das décadas, o comercial evoluiu para dentro dos produtos midiáticos, aparecendo de relance, ou nem tão de relance assim, nos filmes, nas novelas e nas séries, com alguma personagem bebendo uma Coca-Cola ou dirigindo algum carro novo no meio da cena, por exemplo.
No celular não é diferente: em aplicativos gratuitos, como as redes sociais do Instagram, do X e do TikTok, as propagandas comerciais e ideológicas cercam os usuários a todo tempo. As interfaces dos app, até então neutras, começam a ser tomadas por anúncios de produtos e sugestões de publicações que você nunca nem pediu.
Até onde opera o domínio das empresas de tecnologia na vida cotidiana de grande parcela da nossa população? Mais especificamente: estamos, na verdade, consumindo produtos ideológicos dos grandes chefes dessas empresas a todo momento? Será mesmo que os aplicativos são neutros se os donos deles são o Elon Musk e o Mark Zuckerberg?
Por mais que não seja segredo para ninguém que grande parte dos donos das grandes redes sociais sejam figuras importantes da extrema-direita mundial (acho que não deu tempo de se esquecer da horripilante posse de Donald Trump nos Estados Unidos), será que de fato paramos para pensar nisso? Não é um pouco óbvio pensar na reprodução online das estruturas sociais offline ou dá para esquecer disso enquanto navegamos no belíssimo e personalizado feed do Pinterest?
Misoginia ainda é o produto da vez!
Seguindo a premissa de que o sistema social da vida “real” é replicado na internet, é claro que nós mulheres seríamos grandes alvos dos discursos que são espalhados por e nessas plataformas. Basicamente, a falta de sossego da mulher na vida cotidiana, tendo que conviver com problemas como assédio na rua e aqueles comentários invasivos de parentes sobre o seu corpo e a sua vida pessoal, são, de alguma maneira terrível, teletransportados para o aparelho celular. Sozinha, no conforto de sua casa, você pode ser perturbada por alguém que não está no mesmo lugar que você!
Para ilustrar melhor: um belo dia enquanto mexia na minha for you do Tik Tok, que é recheada de conteúdo sobre arte, moda, piadinhas, coisa de mãe de pet, curiosidades de história e geografia e tutorial de maquiagem, deparei-me com algo que me deixou pensativa por algumas horas. Era um vídeo sugerido de seguinte título: “Fazendo botox preventivo aos 25 anos”.
Tudo isso me causou certo espanto, nunca tinha pesquisado nada relacionado a procedimentos estéticos, ou plásticas, ou qualquer coisa do tipo. Pior, eu nunca nem tinha ouvido falar em “botox preventivo”. O que seria isso? Basicamente, a plataforma estava, sem cerimônias, recomendando que eu fizesse um botox preventivo estando na casa dos vinte anos. Fiquei revoltada, vi apenas alguns segundos do vídeo e cliquei em “Não interessado”, com uma falsa sensação de que eu tinha algum controle dentro da plataforma.
Depois, fiquei refletindo que, na verdade, as plataformas estavam tentando me vender (e muitas vezes conseguindo) diversos produtos, dos nocivos aos inofensivos, ou quase inofensivos. Estes dias mesmo, apesar da minha característica dificuldade em gastar dinheiro em coisas supérfluas, em meio a um desequilíbrio emocional, deparei-me com um anúncio do Instagram que vendia uma roupa que parecia ter sido feita especialmente para mim… Acabei, fatalmente, comprando.
O futuro é duvidoso
Como se não bastasse a nossa tentação de ceder aos belíssimos produtos do patriarcado, (de botox preventivo, a bolsa cara que você definitivamente não precisa, a mil produtos de skincare, a serviço de coloração pessoal), pensar sobre as gerações futuras de crianças e adolescentes me assusta bastante. Se na nossa época, de última geração que foi criança sem smartphone, já existia quase tudo de ruim e nós sofríamos com os padrões impostos pelas revistas, televisão e nossos conhecidos, amigos e familiares, imagina essas meninas que crescem com filtros do instagram no rosto?
O futuro parece não prometer muita coisa boa nesse sentido e, talvez, todos nós realmente devêssemos gastar mais o tempo vivendo a vida real do que piorando a vista e a audição ao ficar o dia inteiro no celular. Os grandes aplicativos estão, cada vez mais precocemente, roubando o dinheiro e, principalmente, o tempo e o sossego da vida das pessoas.
COLABORE COM A WANDA!
A retomada do analógico: por que o antigo volta a ser o atual?
O retrocesso de revelar filmes, comprar DVDs em uma locadora ou ler textos impressos tornou-se viral
Por Thaissa Santos*
Em um mundo dominado pelo streaming e o digital, um movimento inesperado vem ganhando força: a redescoberta pelo analógico. O retorno de tecnologias e hábitos considerados ultrapassados se revolucionaram e tornaram-se populares diante dos jovens. O vinil, por exemplo, expandiu as vendas em diversos países, e o mercado de câmeras analógicas subiu consideravelmente. Mas por que, em uma era onde tudo está ao alcance de um clique, as pessoas voltam a buscar experiências prévias?
A resposta pode estar na nostalgia, na busca por autenticidade e na necessidade de exclusivismos. Diante da hiper conectividade, uma parte da sociedade juvenil procura por relações mais convexas ao estarem longe das telas e mensagens de texto. O clique afasta o poder das relações interpessoais, transformando-as em um processo efêmero, substituível.
Essa aceleração constante da tecnologia, com atualizações quase diárias e uma quantidade infinita de informações circulando em tempo real pode gerar um sentimento de urgência contínua. As pessoas passam a sentir que estão sempre “atrasadas” ou “perdendo algo”, o que alimenta a ansiedade e a impaciência. Em meio a esse ritmo frenético, o resgate do digital funciona quase como um antídoto: quando se escolhe ouvir um disco de vinil do começo ao fim, revelar um filme fotográfico ou até ler um livro impresso.
Na perspectiva da “modernidade líquida” proposta pelo filósofo e sociólogo Zygmunt Bauman, tudo ao nosso redor torna-se cada vez mais volátil, incerto e momentâneo. Essa fluidez se manifesta na forma como consumimos informações, bens culturais e até mesmo em relacionamentos. Com a tecnologia avançada em ritmo acelerado, o “novo” de hoje se torna obsoleto em pouquíssimo tempo, gerando uma sensação incessante de urgência e insuficiência.
Assim, a volta do analógico pode ser interpretada como um gesto de resistência a essa efemeridade. Afinal, o revival desses hábitos não são apenas uma questão de nostalgia, mas também um reflexo do desejo em recuperar uma relação mais tátil e significativa com o mundo ao redor. O digital, embora eficiente, muitas vezes elimina o contato sensorial com a experiência. Ao manusear uma conexão física que a tecnologia não consegue reproduzir, cria-se um sentimento de pertencimento e autenticidade, elementos cada vez mais valorizados por uma geração que cresceu imersa na virtualidade.
Além disso, o analógico traz consigo uma noção de padrão. Diferente da instantaneidade digital, ele exige paciência e envolvimento: escolher processos que demandam tempo e atenção. Esse tipo de consumo desacelerado contrasta com a lógica de gratificação imediata proporcionada pelo digital, incentivando uma experiência mais consciente e contemplativa.
Outro fator importante é o exclusivismo. Em um mundo onde quase tudo pode ser acessado por qualquer pessoa, possuir algo raro ou único se tornou um novo luxo. Peças arcaicas carregam consigo uma aura de raridade e personalidade, criando um senso de identidade para quem os utiliza. Isso também explica o crescimento do mercado de segunda mão e da cultura “vintage”, onde objetos com história ganham valor e significado.
Dessa forma, a volta do analógico não é apenas uma tendência passageira, mas um sintoma de anseio maior: o desejo por vivências mais profundas e menos descartáveis em um mundo cada vez mais rápido e efêmero.
*Thaissa é escritora independente, fotógrafa e apaixonada por audiovisual. Com olhar sensível e pensamento crítico, explora questões filosóficas e culturais em sua escrita, trazendo reflexões autênticas. Além disso, atua como criadora de conteúdo digital, conectando ideias e imagens de forma única.
Interessante artigo, Thaíssa!
Eu brincava que as crianças, num futuro próximo, veriam e pegariam uma caneta e ficariam fascinadas com o fato de escrever com tinta sem a necessidade de uma impressora.
Folhear revistas sobre tecnologia, por exemplo, é algo que já está extinto, mas cuja lembrança traz saudade. Até as coisas intangíveis, como a música, não são tão criativas como há poucas décadas.
Adorei os dois artigos! principalmente o da Thaíssa que relembrou do vinil e finalizou com essa bela frase - o desejo por vivências mais profundas e menos descartáveis em um mundo cada vez mais rápido e efêmero. - Muito me identifiquei!