Olá!
Nesta edição, apresentamos dois textos: uma crítica de arte, faixa a faixa, sobre o disco novo do batata boy, artista alagoense em destaque na cena autoral nacional, e uma reflexão sobre gênero, novelas, representatividade e humanidade em relação à obra do cineasta japonês Hayao Miyazaki. O que novela tem a ver com Studio Ghibli?
Além dos textos, listamos vários eventos culturais que estão acontecendo na cidade de Belo Horizonte: shows, peças de teatro e exposições de arte!
Esperamos que gostem!
Hayao Miyazaki é muito melhor do que Walt Disney
A humanidade das protagonistas femininas do Studio Ghibli
Por Clara Campos Bicho
Era uma tarde de algum dia em algum ano de 2000 e minha mãe trazia para casa mais um filme direto da locadora do bairro. Era A Viagem de Chihiro (2002), de Hayao Miyazaki. Assistimos na sala, eu, ela e meu irmão Gabriel. Diferente de tudo que eu já tinha visto, era colorido, denso e marcante. Uma imagem específica ficou na minha mente ao longo do tempo: um dragão branco gigante sangrando que corria e uma menininha que parecia correr junto com ele. Quando fiquei mais velha um pouco, lembrava-me dessa cena mas não sabia o nome do filme, nem o que era o Studio Ghibli formalmente. Nesse mesmo período, fomos à locadora, eu, minha mãe e meu irmão, dessa vez, alugar um novo filme sobre peixinhos, era Ponyo (2008).
Historicamente no Brasil, consumimos dois tipos de produções audiovisuais: as importadas dos Estados Unidos, como os filmes e as séries, e as narrativas nacionais repletas de melodrama, como as telenovelas. De acordo com Mittel (2004), os gêneros são “categorias culturais” e, não, blocos uniformes e estáticos no tempo e no espaço. Ou seja, os objetos midiáticos são intrinsecamente ligados à cultura de um povo, à uma época e a um determinado local. Mas, o que isso tem a ver com Ponyo, Studio Ghibli e Hayao Miyazaki?
Com seu trabalho no Studio Ghibli, o artista japonês Hayao Miyazaki, autor dos filmes que eu assisti quando criança, subverte completamente a lógica dos produtos audiovisuais que nós brasileiros costumamos assistir. Diferentemente do melodrama das novelas, Miyazaki não lida com a dimensão moral de suas histórias de forma maniqueísta: uma personagem não é completamente “boa” ou completamente “ruim”. O autor apresenta grande complexidade ou, melhor, humanidade, às suas personagens, que são repletas de emoções, sonhos, medos, dilemas, qualidades e defeitos.
E é seguindo a lógica de humanização de suas histórias que Hayao Miyazaki acerta em todos os seus filmes: ele representa as personagens mulheres como sujeitos que são, além de tudo, sempre protagonistas em suas obras. Tanto em Ponyo quanto em A Viagem de Chihiro, as personagens principais são mulheres, nesses casos, meninas. E essas meninas são representadas com força, inteligência, coragem, bondade e doçura, ao mesmo tempo, que são crianças, com características próprias de cada faixa etária.
Ao contrário dos famosos filmes da Disney e das histórias de princesas ocidentais, as mulheres não são objetos passivos de serem salvos, protegidos, escondidos ou exibidos. E os homens, que historicamente são representados como os heróis que salvam as mulheres, para Miyazaki, são os companheiros que as auxiliam durante suas jornadas em razão de laços afetivos, quase sempre de amizade. Como se não fosse bom o suficiente, o autor consegue expressar tudo isso de forma natural e sutil em seus filmes, com diálogos e interações simples, o que pode parecer paradoxal diante da grandeza criativa do Studio, que apresenta histórias repletas de cores, cenários e personagens que, à primeira vista, podem parecer muito fantasiosos.
Segundo o pensamento de Martín-Barbero, em seus estudos sobre mediação na telenovela, o excesso que costumamos ver em produções audiovisuais geralmente está nas atuações, nos diálogos, nos roteiros e até nas trilhas sonoras espetaculares. No entanto, na obra de Hayao Miyazaki o excesso está na qualidade de seus cenários, muitas vezes pintados à mão e transpostos para a animação digital, na beleza de suas trilhas sonoras, que vão desde instrumentais singelos a orquestras completas, geralmente com músicas compostas para cada filme e personagens…
Mais do que um cineasta, Miyazaki é um artista completo, genuíno. Ainda sim, o animador transparece completo desprendimento de títulos, prêmios (apesar de já ter recebido uma homenagem com um Oscar honorário), dinheiro ou fama. Sua personalidade autêntica e pouco esperada socialmente para um premiado cineasta, inclusive, já tornou-se meme pelos usuários mais jovens da redes. Encontrei um artigo na revista YokoGao intitulado, originalmente em inglês, The Harsh Quotes of Hayao Miyazaki, algo como “as frases duras de Hayao Miyazaki”, nele estão trechos de entrevistas do artista que deram origem às brincadeiras online sobre ele feitas por fãs.
Hoje penso que, para mim, não há espantamento algum em relação ao comportamento “polêmico” do autor: Hayao Miyazaki transparece o humano, que muitas vezes somos tentados a reprimir dentro de nós. Ele desafia normas sociais, desde as estruturas patriarcais que submetem as mulheres a posições degradantes, até ao que muitos podem esperar dele, um homem bem sucedido e admirado no mundo todo.
Sem máscaras, mostrando-se vulnerável e ao mesmo tempo forte, Miyazaki divide com o público, dentro e fora dos filmes, sentimentos que vão da alegria à tristeza, do medo à coragem, da empolgação ao cansaço… “Eu gostaria de fazer filmes para dizer às crianças que é bom estar vivo”, disse o autor em entrevista à MUBI. Bem, com certeza viver é melhor do que sonhar, como dizia Belchior.
Obrigada Hayao Miyazaki por representar nós mulheres de formas tão naturais, humanizadas e sensíveis. Obrigada à minha mãe por me apresentar A Viagem de Chihiro e Ponyo, que ainda é meu filme favorito, desde criança. Quem sabe a humanidade seria bem melhor (ou menos pior) se todos pudessem incorporar ao coração os valores da obra (e da vida) do senhor Miyazaki.
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“MAGICLEOMIXTAPE (quando vê, já foi)” costura o tempo e o espaço
Por Antônio Belmonte*
Há uns dois anos, internet afora, deparei-me com os sons de batata boy. Seja na produção ou na composição e execução das músicas. Na época, lembro de instantaneamente fazer caretas de júbilo e afins ao ouvir as harmonias e ritmos nos seus sons. Algo que senti desde o momento que vim a conhecer seu som foi que ele trazia profundidade nas imagens e sensações formadas.
Leonardo Acioli, batata boy, é produtor, compositor, cantor e multi-instrumentista de Maceió, Alagoas. Vale mencionar que ele foi vencedor, em 2023, da Categoria Especial - Lançamento Eletrônico do Prêmio da Música Brasileira com o disco Entre Cidades, realizado com o produtor paulista Garbela. Além disso, batata tem EPs lançados desde 2017 e colaborou com Bruno Berle, nos discos No Reino dos Afetos (2022) e No Reino dos Afetos 2 (2024).
O apreço pelo som e seus desdobramentos é algo que me parece ser imperativo desde o início até o lançamento que motiva esse texto. Sua habilidade de síntese é formidável: colocar uma sensação ou uma imagem vívida e complexa em um beat. Dessa época lembro-me de ouvir love message inúmeras vezes. O que dá gosto é ver que ele manteve a chama acesa e, neste fim de ano, o mago em questão soltou seu encantamento.
Recentemente, batata boy lançou MAGICLEOMIXTAPE (quando vê já foi), seu primeiro álbum solo. Com doze faixas, o disco conta com muitas participações, que tornam o disco ainda mais repleto de sensações e complexidades.
O novo álbum responde à demanda de rapidez nas coisas e nos seus 29 — quase 30 — minutos é absolutamente imenso, sem pretensões de pequenez. MAGICLEOMIXTAPE (quando vê já foi) expõe isso com muita tranquilidade. Na contramão do isolamento, batata reúne mais de dez outros artistas; e suponho que isso seja mais impactante do que somente a pluralidade literal que vários artistas trazem para um projeto. Ainda que unificar-se com artistas Brasil ou mundo afora não seja particularmente fácil, aqui isso se concretiza.
Mixtape adentro: algumas músicas exploram sons que me remetem a leveza, a uma natureza aérea e onírica. A faixa que abre o disco, novas rotinas, com participação de Vitor Milagres, traz um tom meditativo — mas meditação em movimento, definitivamente, cheia de movimento. Uma dança em transe, um pássaro que repousa enérgico contra o vento para um mergulho para o terreno; imperatividade em vencer. Já todas as metas tem um beat inquietante; a faixa conta com a participação de Ico dos Anjos, no beat, e L444U, que carrega as melodias nos vocais que embalsamam essa transição pro terreno.
As faixas a seguir me fazem pensar em algo que remete à crônica; uma perspectiva do prosaico. pode ligar (foi bom com vc) é absolutamente visceral, seja pela levada de yung vegan; os vocais que crescem e somem de Ana Frango Elétrico sobrevoando o tempo todo ou pelo beat denso e acelerado que dão palco aos versos que nos dizem sobre assaltar o céu, regras que amarram e cansam, velocidade, entre outras imagens coladas que formam essa paisagem contemporânea hiperestimulante.
Ainda no terreno, certeza de te amar suaviza a intensidade da faixa anterior e inaugura menções ao amor de forma mais direta; tal sentimento que aqui se mostra como algo quase palpável, mas singelo e diáfano que se sobrepõe a quase tudo.
A seguir, technoroação (BIG LUV). Essa é uma música alucinógena e parece mesclar sonho e realidade, Jadsa nos versos pinta esse quadro de uma esquina que quase se concretiza e ao mesmo tempo evapora diante dos nossos olhos.
Já tudo pra agora tem um beat já mais sinuoso e aconchegante, olhos entrelaçados ao longe, ao contrário da velocidade pulsante de outras faixas anteriores. Os vocais de snowfuks abrem a faixa com melodias lindíssimas e que se mantêm ao lado dos vocais de Bruno Berle que trova essa sensação de fazer voltar o que era antes; o ser que nos fizeram ser, mas que rui em pensamentos que não se fazem entender; a dúvida do que fazer meio à tanta coisa que ocupa a vida e não nos faz viver. No fim, os vocais engrandecem e incendeiam nas demandas de ter tudo pra agora e também na conclusão que só se entende ao viver. Essa é uma faixa bem simbólica pra esse conjunto que se forma. Seja em aspectos da estética e linguagem ou pelos significados e imagens que transcendem a sistematização desse deguste auditivo.
Ainda sobre sensação; sentimento: agora com Luiza de Alexandre, ori e Virgínia Guimarães, quero te lamber faz entremear-se no manto de sensações que nos cobre. Os vocais, assim como em todas as faixas do álbum, carregam complexidade e tons que se completam. E aqui, aliás, está o beat que mais me viciou no disco, absolutamente hipnotizante!
domingão, maceió é uma faixa vivaz e colorida no álbum. Na voz de Saci sobre o beat feito em Maceió, forma-se uma imagem fortemente brasileira de um sol pra cada cabeça um sol e carrega também esse teor meditativo em certos versos como “tudo que vai volta de alguma forma / quem planta, colhe / é um caminho sem volta”; “paciência, acredito em calma, mas em carma não”.
i wanna get to say love nos abduz desse terreno repleto de cores, sensações e dúvida, trazendo-nos para esse ambiente mais aéreo. Na voz de dadá Joãozinho vibra o amor sem pretensões ou regras que flutua música adentro com um timbre animal no sintetizador que incorpora o beat. A seguir, tudo isso tudo (jogadora nata), Luiza de Alexandre retorna envolta num beat já mais sereno, como luzes da cidade no horizonte noturno; o trecho em os versos se viram pro rap quebra essa tranquilidade e logo volta pra essa frequência de admiração sinestésica e reflexiva do refrão.
Penúltima faixa, a vida muito mais, com a participação de alici torna rarefeito esse espaço que até então era vívido e concreto na nossa frente. Os vocais ecoantes e rarefeitos vão dissolvendo toda essa imensidão retratada até então. E por fim love is blind traz uma harmonia e ritmo de despedida, que nos coloca pra fora do feitiço. Mas você acabará voltando a fita toda mil vezes.
O disco de batata une o céu e o sonho ao real e terreno; entremeia no surreal as fibras do prosaico. Além de ser uma constatação em tempos de individualismos e tentativas de suprimir coletividades; um projeto solo, mas repleto de vozes e olhares. É um baita disco que explora sonoridades que quebram barreiras e limites, seja no seu teor lírico ou estético. Viva batata boy e as possibilidades que em uníssono podemos formar!
* Antônio é musicista e poeta; bacharel em Português com Menor em Línguas Modernas – Alemão pela Universidade de Coimbra. Atualmente, escreve sobre shows da cena independente/alternativa paulistana e prepara seu primeiro EP sob o nome Maruki.
Agenda cultural
Shows, espetáculos e outros rolês
Show Quarto Vazio + Jonabug + mãe que dá medo + Memórias de Ontem
Data: 13 de dezembro
Local: Estúdio Central - Rua Pouso Alto, 252B, Serra - Belo Horizonte
Horário: 18h
Entrada: R$35,00 (Segundo lote)
Espetáculo - “O Mundo Está em Chamas, o Teatro também tem de estar”, do Teatro da Fumaça
Data: 13/12 a 15/12
Local: Teatro de Bolso - Sesc Palladium - Rua Rio de Janeiro, 1046, Centro - Belo Horizonte
Horário: De sexta a sábado às 20h e aos domingos às 19h.
Entrada: Entre R$15,00 e R$30,00
Noite quente/ giovani cidreira + sophia chablau + paira
Data: 14 de dezembro
Local: Autêntica – Rua Álvares Maciel, 312, Santa Efigênia – Belo Horizonte
Horário: 21:30
Entrada: R$60,00 (Segundo lote)
ORQUESTRA OURO PRETO ROCK FESTIVAL
Data: 14 e 15 de dezembro
Local: Grande Teatro Cemig Palácio das Artes - Av. Afonso Pena, 1537, Centro - Belo Horizonte/MG
Horário: sábado 20h30, domingo 18h39
Entrada: a partir de $35
Produto Marginal apresenta: OGOIN E LINGUINI – 1 ANO DE TV SHOW
Data: 15 de dezembro
Local: Casa Off - Avenida Teresa Cristina, 1060, Prado - Belo Horizonte
Horário: A partir das 15h
Entrada: R$25,00 (Primeiro lote)
Data: 20 de dezembro
Local: Autêntica - Rua Álvares Maciel, 312 Santa Efigênia - Belo Horizonte
Horário: 22h
Entrada: R$ 50,00 (+ R$ 5,00 taxa) - ÚLTIMOS INGRESSOS!
Carmen - um espetáculo de dança e música
Data: 19 a 22 de dezembro
Local: Grande Teatro Cemig Palácio das Artes - Av. Afonso Pena, 1537, Centro - Belo Horizonte/MG
Horário: 19h
Entrada: a partir de R$20 (meia-entrada) e R$40 (inteira)
Exposições, feiras e oficinas
Exposição - “Meu peito é uma ilha”, de Clara Salles
Data: 13 de dezembro a 02 de março
Local: Museu de Artes e Ofícios - Praça da Estação, 600, Centro - Belo Horizonte
Horário: De terça a sexta das 11h às 17h e aos sábados das 9h às 17h
Entrada: Gratuita
Exposição - “A Grama é Sempre Mais Verde, Até Você Notar que é Falsa”, de Ítalo Carajá
Data: Até o dia 14/12
Local: Escola de Belas Artes da UFMG - Av. Antônio Carlos, 6627, Pampulha - Belo Horizonte
Entrada: Gratuita
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