Wanda #10: conclave, Carnaval e comédias românticas
tudo que é bom começa com C... inclusive, controvérsias
Olá!
Chegamos a 10ª edição da Wanda! Nesta edição, caímos na trend “Garotas legais fazem…” e buscamos explicar por que a maioria das protagonistas das comédias românticas dos anos 2000 eram jornalistas.
E, no clima do Oscar, trazemos uma crítica de Conclave, filme que concorre a oito categorias, inclusive a de Melhor Filme, contra Ainda Estou Aqui. Lembramos ainda de um outro filme que levou o Brasil ao Oscar, ou melhor… uma ideia de Brazil – e é um filme que se passa em pleno Carnaval, o timing perfeito!
Esperamos que gostem!
Garotas legais fazem jornalismo: por que as protagonistas de comédias românticas dos anos 2000 eram todas da comunicação?
Oh to be a jornalista protagonista de comédia romântica correndo pelas ruas de Nova Iorque com os cabelos voando e um copo de café na mão…
Por Júlia Ennes
Eu tinha completado 3 anos há poucos meses quando Andie Anderson se fazia de maluca só para escrever um artigo em Como Perder um Homem em 10 dias, e estava pra completar 6, quando Andrea se humilhava para atender os caprichos de Miranda e manter o trabalho na Runaway Magazine, de O Diabo Veste Prada. A decisão de cursar jornalismo só brilharia no topo da minha cabeça como uma lâmpada em um desenho animado mais de 10 anos depois, mas tinha algo naquelas personagens que já falava comigo: eu queria ser como elas.
Confesso que até hoje é fácil me convencer a dar play em um filme. Basta a sinopse mencionar algo como “fulana trabalha em uma revista” ou “ciclana é jornalista”. Não importa o quão duvidoso seja o enredo; se a personagem principal trabalha com comunicação, eu tô dentro.
Recentemente, milhares de mulheres participaram da trend “Garotas legais fazem…”, compartilhando fotos de personagens de filmes e séries que têm o mesmo trabalho que elas. Na categoria “garotas legais fazem jornalismo/comunicação”, além de Andie e Andrea, temos vários outros nomes de produções icônicas, como a Jenna de De Repente 30, a Becky de Delírios de Consumo de Becky Bloom, a Margaret de A Proposta (ok, ela é editora de livros, mas é perto o suficiente para mim), além da mais controversa de todas: Carrie Bradshaw, de Sex and The City (me sinto um pouco como ela sempre que escrevo para a Wanda e faço todas pautas serem também sobre mim mesma).
Existem, claro, algumas produções mais recentes como a série The Bold Type, que já entraram para a categoria “Coisas Que Eu Assisti Porque A História Se Passa Em Uma Redação”. Mas, especificamente nos anos 2000, algo parece ter acontecido e fez com que a maioria das protagonistas de rom-coms fossem jornalistas ou escritoras.
Ver todas essas personagens reunidas na trend me trouxe um grande orgulho de ser da área da comunicação, mas também reacendeu uma questão que até já havia me ocorrido antes, mas que ainda não tinha ido atrás da resposta: por que as protagonistas de comédia romântica dos anos 2000 eram quase todas jornalistas?
É verdade que filmes sobre jornalistas não são nenhuma novidade, existem desde o início do século passado. Na verdade, são tão comuns que até receberam um nome, Newspapers Movies. Isso acontece porque, além de ser muito cool o ambiente de uma redação, ter um personagem jornalista abre um leque de possibilidades para o enredo: desvendar um mistério, se envolver com política, fazer denúncias ou, no caso das comédias românticas, encontrar o amor ou enfrentar conflitos amorosos (só quem é jornalista ou namora um sabe como a rotina é maluca!).
Após ler em meu TikTok…
Ao mesmo tempo que a trend do “Garotas legais…” viralizava e eu me perguntava porquê existem tantas personagens jornalistas nas rom-coms, apareceu na minha aba for you do TikTok um vídeo de uma diva, Mica Ayer. Sendo, “cineasta por escolha, tiktoker por falta de opção”, como diz a descrição no perfil dela na plataforma chinesa, Mica cria conteúdos sobre cinema e produções audiovisuais, sempre conectando-os à questões sociais ou tópicos do momento.
Nesse vídeo em específico que apareceu para mim, ela explica (com base em pesquisa!) o fenômeno dos newspapers movies e o que teria motivado a popularização das protagonistas jornalistas nos anos 2000. E já adianto: a resposta é um pouco agridoce.
Segundo Mica e as pesquisas que ela fez para o Trabalho de Conclusão de Curso dela, nessa época começaram a ser produzidas as chamadas “Comédias Românticas Pós-Feministas”. Esses filmes reconhecem os avanços proporcionados pelo feminismo, como a presença da mulher no mercado de trabalho e até em posições de liderança, mas também colocam esses fatores como a razão pela qual elas são solteiras e, portanto, infelizes. Se uma mulher é bem sucedida, fica difícil ter um namorado, logo, ela é infeliz. Típico anos 2000!
Esse elemento está presente em todos os filmes que citei, em diferentes níveis. Em A Proposta, por exemplo, a personagem de Sandra Bullock é vista como uma megera infeliz e workaholic, que usa o assistente para não ser deportada e acaba se apaixonando por ele no meio do caminho e, aí sim, atingindo a felicidade. Ou, se você quiser um exemplo ainda mais óbvio, a Miranda de O Diabo Veste Prada – e o caminho que a própria Andrea tenta seguir.
Eu fiquei tão obcecada por esse assunto que comecei a pesquisar mais e ler artigos e até desejei voltar no tempo e fazer alguma pesquisa relacionada a isso na faculdade. Mas se você não é tão maluca quanto eu, assistir o vídeo da Mica já é um bom começo.
O conteúdo da tiktoker me chamou tanta atenção porque trouxe fundamentos e deu palavras à estranheza que eu sentia ao assistir a esses filmes, mesmo amando todos eles. Não dá para ter tudo? Ser bem-sucedida na vida pessoal e profissional?
A trend “Garotas legais…” também me fez pensar em como essas personagens influenciaram – para o bem ou para o mal – milhares de meninas que cresceram sonhando em ser como elas, seja no sentido profissional ou em relação à atitude, estilo e ambição. Essas protagonistas jornalistas dos anos 2000 se conectam até hoje com tantas mulheres justamente porque trazem conflitos que a maioria de nós enfrenta: ok, agora que conquistamos alguns direitos, e eu posso trabalhar e realizar meus sonhos profissionais, o que vem? Qual o próximo passo? Só o amor me traz completude? Não sei, I’m just a girl…
Dito isso, se você trabalha em um jornal ou revista, me indique lá (é sério, me arruma um emprego, por favor!).
CARTUM WANDA!

Conclave vai te prender do início ao fim, com momentos de cair o queixo e até algumas risadas pelo caminho
Filme de Edward Berger mostra que a escolha de um novo Papa envolve mais intriga do que santidade
Por Gabriela Matina
O Papa morreu e, com o trono da Santa Fé vago, os cardeais precisam escolher um novo líder religioso. Para isso, será realizada uma eleição popularmente conhecida como conclave, um processo milenar cheio de regras e tradições secretas. Esse é o ponto de partida do filme de Edward Berger, que concorre a oito categorias do Oscar, incluindo Melhor Filme.
Em Conclave, o cardeal Lawrence (Ralph Fiennes) é o responsável por conduzir a votação, mas enquanto assume um dos papeis mais importantes de sua vida, o protagonista passa a enfrentar uma crise de fé, questionando o papel da Igreja e seu próprio lugar dentro dela. Repleto das tensões e dúvidas que acompanham esse processo, o filme revela ao público as diversas tradições do Vaticano, desde como é feito o velório do Papa até a comunicação do Vaticano com a população por meio da fumaça.
Três semanas após a morte do Papa começam os preparativos para o conclave. Um bloqueador de sinal isola os cardeais do mundo externo ao Vaticano, e ao chegarem nos aposentos da Capela Sistina eles têm todos os aparelhos eletrônicos confiscados. A votação pode durar dias ou até semanas, até que um candidato obtenha pelo menos dois terços dos votos.
Ao longo da narrativa, sinais indicam que o Papa falecido (cujo nome nunca é citado) já havia deixado pistas sobre quem desejava ver como seu sucessor. Aos poucos, esses indícios começam a se revelar, tornando a corrida ainda mais tensa.
São muitos os mecanismos por trás da escolha do novo pontífice, sustentados sobretudo por um jogo de poder e pela formação de alianças entre os cardeais. Através do filme vemos como a própria Igreja é uma instituição frágil, liderada por homens cheios de falhas e pecados. A escolha do novo líder da Igreja não é simples e, aos olhos do público, nenhum dos candidatos é 100% confiável. Alguns escondem segredos, outros estão envolvidos em escândalos ou até mesmo corrupção.
A disputa se afunila e seis cardeais ganham destaque: Tedesco, Tremblay, Adeyemi, Lawrence, Bellini e Benítez. O confronto passa a se dividir então entre conservadores e liberais e, a depender do resultado da eleição, décadas de avanços dentro da instituição podem ser perdidas.
Sempre muito bem vestidos com suas roupas pomposas, os padres tentam tirar vantagem uns dos outros a todo momento, o que rende momentos de intriga e muita fofoca. O filme foi gravado em diversas locações na Itália, mas um estúdio em Roma, serviu como cenário principal, reproduzindo em detalhes os ambientes internos do Vaticano (que não permite filmagens em suas dependências).
Isabella Rossellini dá vida à freira Agnes, um dos grandes destaques do filme. Indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante (ela merece ganhar), sua personagem se sobressai em meio às demais freiras do Vaticano, que ao longo da trama aparecem apenas para servir os cardeais, arrumar os aposentos, cozinhar e manter a limpeza. Apesar de ter poucas falas, Agnes protagoniza momentos cruciais, sendo peça-chave em uma das grandes revelações do roteiro.
Conclave é provocativo, instigante e, em meio a tantas tensões, ainda arranca algumas risadas. Repleto de reviravoltas inesperadas, o filme conduz o público até um desfecho para alguns visto como contraditório, mas, sem dúvidas, surpreendente. Do início ao fim, prende a atenção e deixa aquela vontade de sair da sala do cinema debatendo cada detalhe. Afinal, na vida real, o que acontece no Vaticano geralmente fica no Vaticano.
O Brasil no Oscar: 65 anos antes de “Ainda Estou Aqui”, “Orfeu Negro” fez história na premiação
Por Pablo Albuquerque*
O público brasileiro respira Ainda Estou Aqui para aqueles que o viveram. O drama político de Walter Salles já dispensa apresentações. A vida de Rubens, Eunice e todos da família Paiva, já foi exaustivamente discutida, as expectativas para o Oscar são o que vem cercando e impulsionando o longa nas últimas semanas. O filme está indicado nas categorias de Melhor Atriz, com a brilhante Fernanda Torres, Melhor Filme Internacional e Melhor Filme, marcando a primeira participação do Brasil na cerimônia em 5 anos, sendo a última em 2020 com Democracia em Vertigem, de Petra Costa.
A abstinência já quinquenal de representação na premiação, junto da narrativa de “fazer justiça” pelos prêmios perdidos por Central do Brasil, do mesmo diretor, em 1999, gerou um real cenário de euforia social, um “clima de copa do mundo”, como vem sendo dito, para o que seria o primeiro Oscar do Brasil. Mas por que Orfeu Negro, de Marcel Camus, não é portador de tal título mesmo sendo ambientado no Rio, falado em português, com atores brasileiros, e tendo levado o Oscar de Melhor Filme Internacional em 1960?
Orfeu Negro e filmes miscigenados
Primeiramente: Orfeu Negro é questionavelmente brasileiro. Com diretor de nacionalidade francesa, e co-produção ítalo-franco-brasileira, a obra retrata um Brasil completamente ufanista, belo, mas irreal. Ambientada nas favelas de um Rio de Janeiro abdicando do status de capital, Orfeu Negro narra o mito grego em uma história de carnaval, samba e muita tradição oral, temas já vastamente explorados e por muitas vezes criticados, por estarem em voga mesmo quando não representam nosso país tanto assim.
É fato que, os personagens, as paisagens, os diálogos, são construídos pela ótica erotizada de um diretor francês, um estrangeiro, que foca unilateralmente no belo de nossa cultura para apelar ao público internacional. Por mais que seja dotada de romantismo ingênuo, a trama apresenta pensamentos interessantes quando tocada pela parte brasileira envolvida. O carnaval leva C maiúsculo, é o sonho esperado o ano inteiro pela classe trabalhadora. Não apenas um feriado, mas a oportunidade de performar numa cidade já tão impositiva nos papeis de seus cidadãos o que o indivíduo bem querer.
A música “A Felicidade” composta para o filme por Vinicius de Moraes e Tom Jobim expressa bem a ideia: “A felicidade do pobre parece a grande ilusão do Carnaval. A gente trabalha o ano inteiro por um momento de sonho ao fazer a fantasia. De rei, ou de pirata ou de jardineira. E tudo se acaba na quarta-feira. Tristeza não tem fim. Felicidade sim”. É uma pena que a obra em seu todo ignore qualquer crítica para a consolidação de um paraíso tropical exótico.
Dito e feito, a crítica internacional amou nosso Orfeu do Carnaval, nós nem tanto. Crescer brasileiro é crescer em meio à uma cultura miscigenada e sincretista. Nossa música, nossa comida, nossas paisagens, nosso idioma, tudo que nos cerca tem suas raízes espalhadas pelos mais diversos países, nas mais diversas sociedades, e é irônico que um filme produzido por 3 países completamente diferentes ofereça uma visão tão mesquinha do que é o nosso país e do que significa ser Brasileiro.
O gosto amargo no imaginário nacional se deu por isso, não somos representados no filme, estamos sendo comentados internacionalmente, mas a figura das conversas e congratulações não se parece conosco.
Cannes e Oscar
Apesar dos pesares, o Brasil torceu por Orfeu Negro nas premiações internacionais. Abrimos mão do nosso orgulho para tentar, ao menos, nos aproveitar um pouco da visibilidade dada pelo filme. Tendo ganho a Palma de Ouro no Festival de Cannes, agora só nos restava o Oscar, que também veio. Toda a torcida teve fim irônico, já que pelo diretor ser francês, e a maior parte do dinheiro da produção também, os louros foram todos para a França. Chateante? Sim. Mas se o Oscar viesse para o Brasil seria mesmo motivo de tanta comemoração? O Brasil do filme, o “Brazil” com Z, merece mesmo ser premiado?
Parte de minha torcida para Ainda Estou Aqui envolve esse sentimento. Esse sim, um filme indubitavelmente brasileiro. Representando a realidade nua e crua de um dos momentos mais assombrosos de nossa história, a obra não passa apenas isso ao público internacional. Sim, houveram torturas, houveram mortes, presos políticos, censura, tudo de ruim e do pior, mas não é apenas sobre isso, é sobre como uma mulher, como uma nação inteira, lutaram e continuam lutando dia após dia sob qualquer conjuntura, apesar das adversidades. Isso diz muito mais sobre o Brasil, sobre o nosso povo, do que uma visão simplória de carnaval e morro.
O povo brasileiro que merece ser premiado é aquele que se faz barulhento para mostrar que ainda está ali, e não sairá até ter o que merece.
* Pablo é um estudante de cinema que ingenuamente acredita que não será substituído por um robô. Escreve de vez em quando para acalmar a parte de si que acredita que deveria ter cursado jornalismo.
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